domingo, 14 de abril de 2013

Por que o Buffett não paga dividendos?

Nos últimos anos o rendimento da holding do Buffett vem decepcionando muitos investidores. Só para se ter uma ideia, nos últimos dez anos o rendimento anual das ações da Berkshire perdeu para o S&P500 cinco vezes. Nos outros 38 anos anteriores isso só tinha ocorrido quatro vezes. Em razão disso, muitos investidores reforçaram a cobrança por pagamentos de dividendos. Essa cobrança repercute em muitas matérias na mídia e o Buffett se viu obrigado a explicar porque não paga dividendos. Na verdade, a holding dele pagou apenas uma vez dividendos em 1967 e ele disse, brincando, que deveria estar no banheiro na hora que decidiram isso.


Na carta anual ao seus investidores desse ano, ele apresentou a seguinte explicação do porquê não pagar dividendos:

"Vamos começar assumindo que você e eu somos igualmente os donos de um negócio com US$ 2 milhões de patrimônio líquido. O negócio ganha 12% sobre o patrimônio líquido tangível - $ 240.000 - e pode-se razoavelmente esperar ganhar os mesmos 12% sobre os lucros reinvestidos. Além disso, há pessoas de fora que sempre desejam comprar o nosso negócio a 125% do patrimônio líquido. Portanto, o valor de cada um de nós é hoje de US$ 1,25 milhões.

Você gostaria que nós dois acionistas recebêssemos um terço do lucro líquido anual de nossa empresa e que dois terços fossem reinvestidos. Você considera que este plano vai equilibrar muito bem as suas necessidades, tanto para a renda atual quanto para o crescimento de capital. Então você sugere que se pague US$ 80.000 do lucro líquido e se retenha 160.000 dólares para aumentar os ganhos futuros da empresa. No primeiro ano, o seu dividendo seria de $ 40.000, e como o lucro cresceu e a distribuição de um terço foi mantida, então seu dividendo também cresceu. No total, os dividendos e o valor de ações vão aumentar 8% cada ano (12% de ganho do patrimônio líquido menos 4% do valor líquido pago).

Depois de dez anos a nossa empresa teria um patrimônio líquido de 4.317.850 dólares (o original de $ 2 milhões composto em 8%) e seus dividendos no próximo ano seriam $ 86.357. Cada um de nós teria ações no valor de $ 2.698.656 (125% da nossa metade do patrimônio líquido da empresa). E que viveríamos felizes para sempre – com os dividendos e o valor das nossas ações crescendo continuamente a 8% ao ano.

Há uma abordagem alternativa, no entanto, que nos deixaria ainda mais feliz. Sob este cenário, se deixaria todo o lucro com a empresa e cada um de nós venderia 3,2% de nossas ações anualmente. Como as quotas seriam vendidas a 125% do valor contábil, essa abordagem poderia produzir os mesmos US $ 40 mil em dinheiro, inicialmente, uma quantia que cresceria anualmente. Essa alternativa será chamada de "sell-off".

Sob este "sell-off" cenário, o patrimônio líquido da nossa empresa aumenta para $ 6.211.696 após dez anos ($ 2 milhões composto em 12%). Como nós venderíamos nossas ações a cada ano, a nossa participação percentual seria diminuída, e, depois de dez anos, teríamos cada 36,12% do negócio. Mesmo assim, a sua parte líquida da empresa seria 2.243.540 dólares. E, lembre-se, cada dólar de patrimônio líquido atribuível a cada um de nós pode ser vendido por US$ 1,25. Portanto, o valor de mercado de suas ações remanescentes seria $ 2.804.425, cerca de 4% maior do que o valor de suas ações, se tivéssemos seguido a abordagem de dividendos.

Além disso, seus recebimentos anuais da política de sell-off estariam agora 4% maiores do que você teria recebido sob o cenário de dividendos. Voila! - Você teria tanto mais dinheiro para gastar anualmente e maior valor de capital.

Este cálculo, naturalmente, supõe que a nossa empresa hipotética pode ganhar uma média de 12% ao ano em patrimônio líquido e que seus acionistas podem vender suas ações por uma média de 125% do valor contábil. Para esse ponto, o S&P500 ganha consideravelmente mais do que 12% sobre o patrimônio líquido e é vendido a um preço muito acima de 125% do que o valor líquido.

Ambas as hipóteses também parecem razoável para Berkshire, embora certamente não assegurada. Além disso, do lado positivo, há também a possibilidade de que os pressupostos serão ultrapassados. Se o forem, o argumento para a política de sell-off torna-se ainda mais forte. Ao longo da história da Berkshire - reconhecidamente uma que não será perto de ser repetida - a política de sell-off teria produzido resultados para acionistas dramaticamente superior ao da política de dividendos."

"Vou pagar ZERO de dividendo", respondendo a mais uma pergunta sobre isso.
Para reforçar a sua explicação, o Buffett cita ele mesmo com exemplo. Disse que nos últimos 7 anos tem vendido 4% de sua participação ao ano e que isso resultou na redução de 712 milhões para 528 milhões de ações. No entanto, o seu patrimônio, ainda assim, subiu de 28 para 40 bilhões de dólares no mesmo período.

Analisei detidamente essa calculeira dele para entender porque o método sell-off é melhor do que a distribuição de dividendo. O segredo da mágica está em duas coisas: no custo de oportunidade e no ágio dos papeis.

Sobre o custo de oportunidade, ao deixar o lucro com a empresa, ele presumiu que esse lucro também vai ser reinvestido à taxa de 12% que arbitrou. Quando se recebe um terço como dividendo, esse dinheiro ele presume que você gastou, ou seja, não investiu em nada, e apenas os outros dois terços foram reinvestidos a uma taxa de 12%, o que dará uma rentabilidade média de 8% (12 x 2/3).

No entanto, a presunção dele de que você vai gastar nem sempre é válida. Pode ser que o investidor quer o seu um terço em dividendo para investir, às vezes até em uma empresa que esteja rendendo mais de 12%. Mas vamos presumir que ele reinvestiria na própria Berkshire comprando mais papeis, e nesse caso o rendimento total voltaria a ser 12% e não 8%. Se estaria fazendo uma troca, o valor do papel cresceria a 8%, mas o investidor teria mais 4% de papeis, no final das contas, o seu patrimônio que é o produto do valor do papel pelo número de papeis seria o mesmo. Ou seja, se o investidor recomprar mais ações com o dividendo recebido o argumento do Buffett estaria neutralizado, pois tudo ficaria elas por elas.

Mas então como o método sell-off, vendendo aos poucos sua participação, ainda assim gerou mais valor para o investidor do que recebendo dividendos? Aqui entra o ágio nos papeis. Buffett presumiu que os papeis seriam vendidos a um preço 25% maior que o patrimônio líquido. Não que isso seja um problema, muito pelo contrário, o ágio existe mesmo, só verificar que a maioria das empresas tem p/vp maior que 1.

Então, para obter o rendimento de $ 40.000 por ano, ele não precisava vender 4%, mas apenas 3,2% de sua participação, que com o ágio do mercado teria o valor de 4%. A diferença de 0,8% não precisaria ser vendida, continuando rendendo 12% ao ano e ao final de dez anos daria a diferença que deu no total.

Se o Buffett monta um novo negócio ou por negociação direta compra uma empresa investindo 1 milhão, o preço desse negócio vai se refletir na bolsa por 1,25 milhão. Assim, o investidor que receber os dividendos, ao recomprar mais ações estaria pagando um preço maior, com ágio, e isso faria o investidor comprar menos papeis do que deveria para igualar o rendimento caso o dividendo não fosse distribuído. 

Além desses argumentos, Buffett apresenta outros dois para não se distribuir os dividendos. Primeiro, que não se chegaria a um consenso sobre qual percentual do lucro seria distribuído. Pois haveria investidores querendo todo tipo de percentual, afinal são 600.000 investidores. E segundo, e muito importante, nos EUA o investidor paga imposto sobre os dividendos. Isso corrói valor, pois a empresa pagou imposto sobre o lucro líquido e depois, caso parte desse lucro vire dividendo, o investidor paga de novo. É bitributação mesmo. Isso pelo menos não ocorre no Brasil. O dividendo é rendimento não tributável.

Eu pessoalmente não me preocupo muito com o percentual de pagamento de dividendos, famoso Dividend Yield. O fato da empresa pagar dividendos pode nos garantir apenas que lucro a empresa teve, pois se não houver lucro não tem de onde sair os dividendos. No entanto, o inverso não é verdadeiro, o fato da empresa não pagar dividendos não significa que a empresa não tenha lucro. Ela pode estar represando o lucro para reinvestir. Então, em vez de se preocupar com o dividend yield, é melhor olhar logo se a empresa tem lucro e se tem perspectiva de fazer bons investimentos com esse lucro, caso não os distribua.

Se quiser saber mais sobre DY, leia esse post passado, onde mostrei que um backtest de investimento baseado em DY contrariava a popular conclusão de que quanto maior o DY melhor.

17 comentários:

  1. Nessas horas eu gosto de lembrar de um dos inúmeros mantras do Buffett: use o lucro das empresas que você já possui para comprar novas empresas.

    No momento que tivermos alguns milhões em ações podemos até optar por uma estratégia de sell out, mas quando você tem uma carteira em formação o dinheiro proveniente dos proventos auxilia no seu crescimento e diversificação. Abraço!

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    1. LL, o dinheiro recebido como dividendo não significa mais valor do que se a empresa não o tivesse distribuído. A riqueza produzida pelo dividendo é apenas psicológica para o investidor, pois essa riqueza já tinha sido gerada quando a empresa deu lucro. O importante é verificar se a empresa tem bons projetos para fazer uso desse lucro, caso os acumule. Da mesma forma, no caso dela pagar dividendos, pode ser que ela esteja destruindo valor, caso deixe de investir em projetos que resultariam em grandes ganhos. Em resumo, o dividendo em si não quer dizer nada.
      abraço

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    2. Tipo isso? http://investandsurvive.blogspot.com.br/2013/02/acoes-proventos-onde-reinvestir.html

      Abraço!

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    3. Concordo com tudo que você disse, exceto pela parte da riqueza advinda do dividendo ser apenas psicológica. No momento que você recebe dinheiro novo sem ter de se desfazer do seu patrimônio e sem custo algum (caso do dividendo) esta riqueza não tem nada de psicológica, PB.

      Podemos ver problemas na distribuição de dividendos obrigatórios pelas empresas de crescimento, porque este dinheiro a mais ajudaria a cortar despesas não-decorrentes com juros de empréstimos e debêntures. É um ponto.

      Agora, empresas consolidadas dão esta opção ao investidor, que ganha o direito de decidir o que fazer com parte dos ganhos da empresa a qual é sócio.

      Sem contar que me parece fazer mais sentido a emprea perder um pouco de valor, o que me permite acumular mais papéis, do que a empresa ter sua cotação alavancada com 100% do lucro até que seu preço seja impraticável para a acumulação. Veja por ex. a cotação da Berkshire Hattaway. Abraço!

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    4. LL, você acha que o dividendo é dinheiro novo, uma riqueza extra além do valor da ação. Porém, quando a empresa divulga seu balanço, o mercado já precifica o valor do papel em função do lucro apresentado. Não importa o valor do dividendo, ele já foi embutido no valor do papel. Tanto que a bolsa ajusta o preço do papel na data ex-dividendo.

      O que ocorre, e eu admito isso, apesar de que não deveria ser assim, é que as pessoas tem uma fixação tão grande pelos dividendos que as empresas que pagam dividendos acabam atraindo mais investidores e por conseguinte isso ajuda na valoração do papel, independentemente se essa distribuição possa estar destruindo valor por retirar recursos para o crescimento da empresa.

      Não sou contra os dividendos, apenas acho que são irrelevantes, ou pouco relevantes, no rendimento do investimento. Abraço

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  2. Concordo com o amigo acima. No caso de carteiras em formação, os dividendos são sempre bem vindos para realocação de recursos. Mas o que você disse sobre o lucro é a base de tudo. Precisamos procurar empresas lucrativas, mas se tiver bom DY, melhor ainda.

    Abraços!


    http://investando.blogspot.com.br/

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    1. É isso mesmo Leonardo, procure empresas mais lucrativas e naturalmente a consequência disso será os maiores dividendos aparecem também.
      abraço

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  3. Nossa, estou impressionado com os aportes. Você é empresário? Qual ramo?

    Gostei muito da análise. Fazia tempo que não lia alguém sensato que busca fundamentar o que escreve, estava cansado de ler blogs como o do POBRETÃO.. =)

    Grande abraço!

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    1. Zé Kueca, segundo a minha política de opacidade eu não divulgo nenhuma informação pessoal minha, e não confirmo nem nego qualquer rumor sobre isso, até pelo contrário e vice-versa. rs

      Mas não deixe de ler o Pobretão, eu si divirto lá.

      abraço

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    1. Obrigado TG, espero que seja útil, volte sempre.
      Abraço

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  5. Faltou mencionar algo simples: impostos sobre dividendos.

    Nos EUA, q eu saiba, ele são bi-tributados (na empresa e no acionista)

    Por isso q Buffett prefere recomprar as ações, pois assim ele faz com que o LPA continue aumentando sem precisar pagar dividendos...

    "Engenharia Financeira", hehehehe

    []s!

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    1. Faltou não:

      "E segundo, e muito importante, nos EUA o investidor paga imposto sobre os dividendos. Isso corrói valor, pois a empresa pagou imposto sobre o lucro líquido e depois, caso parte desse lucro vire dividendo, o investidor paga de novo. É bitributação mesmo. Isso pelo menos não ocorre no Brasil. O dividendo é rendimento não tributável."

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    2. Hm, não me liguei nessa parte!!! Tens razão!

      Mas a verdade mesmo é o próprio custo de oportunidade da Berkshire é gigante.

      Seria difícil alguém conseguir obter retornos acima deste fundo. Então, não faz sentido pegar dividendos pra investir em outra coisa, senão o próprio fundo! hehe

      []s!

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  6. vou deixa minha aqui, esse Buffett foi considerado maior e o que teve mais sucesso no mundo financeiro oque ele fala assino em baixo, no fantastico saiu materia sobre ele e falaram se vc colocasse 100$ junto com ele qdo ele começo investir agora vc teria $100 mil

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    1. Sim, ninguém está criticando o cara, pelo contrário ele é o ídolo de muitos. A questão aqui é mostrar que receber dividendos não essa panaceia toda ventilada. Tem que ver tanto porque a empresa paga dividendos, quando paga, quanto o que ela está fazendo com o dinheiro que poderia virar dividendos, caso não pague.

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